Padre Gualberto: Apóstolo da Educação
José Antonio Albuquerque |
José Antonio
Albuquerque*
Neste
14 de outubro, Mons. Luís Gualberto de Andrade completaria 96 anos de vida.
Faleceu em 2007, numa noite de São João e seu corpo foi velado ao som do forró
realizado no Xamegão, numa falta de respeito ao cidadão que mais contribuiu
para que Cajazeiras se tornasse um centro de Ensino Superior.
Sua
história de vida foi feita de humildade, zelo, obediência, trabalho e fé,
conseguiu dentro de uma perspectiva messiânica e profética, mudar a face de uma
região, quando assumiu em 1969, a direção da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Cajazeiras, mantida pela FESC – Fundação de Ensino Superior de
Cajazeiras, idealizada e criada pelo então Bispo da Diocese de Cajazeiras, Dom
Zacarias Rolim de Moura.
Conheci
o Padre Gualberto, como gosta de ser chamado, no ano de 1963, nas minhas
peregrinações como Presidente da Associação dos Estudantes Secundários de
Cajazeiras (AESC), na cidade de Pombal, PB, quando fui seu hóspede no Hospital
Janduí Carneiro, instituição que pertencia a Diocese de Cajazeiras, a qual
dirigia.
Somente
em 1969 voltamos a nos encontrar. Acabara de ser nomeado diretor da FAFIC.
Recém chegado de Louvain, na Bélgica, onde foi fazer um curso de
aperfeiçoamento. Em Cajazeiras assumiu a direção da FAFIC uma espinhosa e
difícil missão. Com uma visão bem mais ampla do mundo e com uma larga e longa
experiência no setor educacional, não perdera tempo: já fazia funcionar nas
dependências da antiga sede da Ação Católica, na Rua Padre Rolim, um cursinho
pré-vestibular. Na cidade não se falava em outra coisa, a notícia chegava
célere aonde quer que morasse um cajazeirense. Cajazeiras ia ter uma faculdade.
Padre
Gualberto era o quarto diretor a ser nomeado pelo Bispo. Os outros três não
conseguiram ir além das próprias portarias que o nomeavam. Recebendo “carta
branca” do Bispo, Padre Gualberto em pouco tempo reconstruiu todo o velho
prédio da Ação Católica, e no terreno vizinho, que pertencia a diocese,
triplicou a área coberta e transformou a sede da FAFIC, num belo edifício.
Em
1970, já se realizava o primeiro vestibular. O sonho de muitos cajazeirenses se
tornava realidade e já não era mais preciso os estudantes secundaristas,
juntamente com os universitários, nos cortejos momescos, realizarem o enterro
simbólico da faculdade de filosofia.
Jornadas
longas, penosas, dolorosas e difíceis foram enfrentadas e vencidas. Verdadeiras
maratonas na busca de professores, na compra de equipamentos, na formação do
acervo bibliográfico e nos entraves burocráticos do Ministério de Educação, sem
esquecer o temido Conselho Federal de Educação e seus fiscais, eram lutas
constantes na vida deste educador.
Quantos
quilômetros terá percorrido o Padre Gualberto entre Cajazeiras, João Pessoa,
Recife e Brasília, ao longo dos nove anos a frente da FAFIC? Os nossos laços de
amizade se estreitaram tanto, que nas suas viagens para o Recife, se tornara
obrigatoriamente nosso hóspede, no apartamento onde estudavam os filhos e os
netos de seu amigo Arcanjo. O quarto onde dormia, ficou inclusive conhecido até
hoje como “o quarto de Padre Gualberto”. Servi muitas vezes, com prazer imenso,
de motorista e guia em suas andanças na busca contínua e apaixonada da
consolidação da faculdade. As viagens eram quase sempre feitas no seu famoso
“fusquinha”, que rasgava as estradas poeirentas da BR-230. Nas longas conversas
, durante as viagens, se aprofundavam os sonhos, mesmo sabendo que eram muitos
os espinhos a ferir nesta dolorosa estrada, mas a vontade de vencer sempre
apontavam os caminhos da esperança e a certeza de que todo aquele trabalho não
seria em vão.
Ao
concluir o curso de História em 1971, em Recife, já em 1972, recebi o convite
de Padre Gualberto para dar aulas na FAFIC, no curso de História. Regressei
para Cajazeiras e nesta ocasião a recém diplomada, também pela Universidade
Católica de Pernambuco, a professora Maria Antoniêta Cavalcante, riograndense
do Norte, se incorporou a uma plêiade de docentes já contratados pela
faculdade. Era o pioneirismo. A vanguarda.
Os
alicerces estavam feitos. Não havia mais como parar a construção desta catedral
de sonhos que era a implantação e consolidação do projeto pioneiro da
interiorização do Ensino Superior no Nordeste brasileiro. Processava-se uma
inversão de valores. Concretizava-se uma revolução. Na cabeça dos
“intelectuais” do litoral, na considerada elite pensante das praias da capital,
além de não acreditarem no projeto, lisonjeavam e até faziam piadas e galhofas
do empreendimento. O sorriso largo, acompanhado de uma boa e gostosa gargalhada
era a resposta que Padre Gualberto mandava para os incrédulos.
O
governo do Estado se tornou parceiro na caminhada. O Deputado Federal Wilson
Leite Braga e o Senador Rui Carneiro se irmanaram na luta de Padre Gualberto.
Algumas instituições estrangeiras atenderam os pleitos do Diretor da FAFIC e
para aqui vieram da Alemanha professores e recursos.
Padre
Gualberto tocava sua obra com carinho e perseverança. Os recursos que aportavam
na tesouraria se multiplicavam milagrosamente. Alguns fatos me despertavam a
atenção no dia do pagamento do pessoal: o cheque que Dona Maria, a zeladora da
escola, recebia era do mesmo valor que o cheque do Diretor: um salário mínimo.
O desprendimento, o gesto de doação e o seu sacerdócio elevavam cada vez mais
junto aos que o cercavam a admiração e o respeito pelo seu trabalho. O caráter
do diretor e a firmeza nas decisões cada vez mais credenciavam a instituição. A
FAFIC se consolidava.
Padre
Gualberto dirigia ao mesmo tempo a FAFIC e o Colégio Diocesano Padre Rolim.
Ambos com a mesma abnegação. Costumava brincar quando lhe perguntavam como iam
as duas escolas: “é uma ceguinha puxando a outra”, referindo-se as dificuldades
porque sempre passaram as escolas particulares deste País.
Um
dos momentos mais fortes e de imensa e incontida alegria, que vi na vida deste
sacerdote, foi quando o Conselho Federal de Educação, reconheceu os cursos da
FAFIC, após um longo e doloroso processo. As milhares de páginas que faziam
parte do processo, foram levadas de ônibus para Brasília sob a guarda de um dos
dedicados funcionários da casa, hoje professor da UFPB, Francisco Valdeberto de
Lira. Foi um dia de festa. Houve até um feriado extra.
Um
capítulo a parte na vida deste sacerdote é o que trata da implantação do CAMPUS
V, da UFPB em Cajazeiras. Somente dois homens com a coragem e a visão do bem
comum, poderiam praticar tal ato: Padre Gualberto e Dom Zacarias Rolim de
Moura. Em 1979, no dia 1º de agosto, a FESC transferiu todo o seu acervo para a
Universidade Federal da Paraíba. Fez-se tudo isto por amor a causa da educação.
A FAFIC era uma instituição particular. Pagava-se mensalidade. A partir de
então a cidade e toda região ganhava uma unidade de ensino superior pública e
gratuita. Não se pode avaliar o bem e a grandiosidade deste gesto. Em pouco
tempo o orçamento do Campus V era superior ao da Prefeitura Municipal de
Cajazeiras. A amizade conquistada pelo Padre Gualberto, junto ao Reitor da UFPB,
quando o mesmo ainda era um dos diretores do MEC, em Brasília, professor
Linaldo Cavalcanti, foi fundamental para esta importante mudança. Linaldo e
Gualberto se irmanaram na consolidação da interiorização do ensino superior no
interior da Paraíba.
Estes
são apenas alguns fatos e atos deste home
m
que teve uma vida pautada na honradez de caráter, na honestidade dos atos e
ações, na fidelidade e obediência ao seu sacerdócio, no reconhecer a gratidão
dos que lhe ajudaram, num sertanejo que se sentia agredido ao ver a miséria e a
fome, de conversa inteligente e saudável e sempre de palavra confortadora e
alegre.
Foram muitos os momentos, e continuam
sendo, nas minhas imorredouras lembranças, nos mais de trinta anos de
convivência, em que privei da sua amizade e sabedoria. É apenas um testemunho
de um grande admirador. Com certeza a história lhe fará justiça e Cajazeiras
lhe será grata pelos grandes benefícios praticados aos seus filhos e a sua
gente. Resta-nos a sua lembrança e uma
imensa saudade.
*Professor e
Diretor do Sistema Alto Piranhas de Cajazeiras
Padre Gualberto: Apóstolo da Educação
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/14/2017 11:44:00 AM
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