VOTO DA MULHER
Por
Severino Coelho Viana*
Severino Coelho Viana |
A conquista do voto da mulher, depois de
uma luta renhida e de muito sacrifício físico, faz parte do processo histórico,
sendo, pois, que a luta continua na busca de ocupar os espaços nos mais
diversificados setores de atuação na sociedade: político, social e econômico,
que não pode parar nenhum momento a fim de alcançar a plena cidadania.
A nossa tentativa proclama de forma
objetiva com apoio numa síntese histórica desse processo de luta travado pela
mulher no sentido de mostrar o caráter de igualdade e liberdade independentemente
do gênero. Por exemplo, “segundo Marco Terêncio Varrão, citado por Agostinho de
Hipona, as mulheres da Ática tinham o direito a voto à época do rei Cécrope I.
Quando este rei fundou uma cidade, nela botaram uma oliveira e uma fonte
d’água. O rei perguntou ao Oráculo de Delfos o que isso queria dizer, a
resposta veio que a oliveira significava Atena e a fonte d’água Poseidon, e,
portanto os cidadãos deveriam escolher entre os dois qual seria o nome da
cidade. Todos os cidadãos foram convocados a votar, homens e mulheres; os
homens votaram em Poseidon, as mulheres em Atenas, no final, esta venceu por um
voto de maioria. Poseidon ficou irritado, atacou a cidade com as ondas. Para
apaziguar o deus (que Agostinho chamava de demônio), as mulheres de Atenas aceitaram
três castigos: que elas perderiam o direito ao voto, que nenhum filho teria o
nome da mãe e que ninguém as chamaria de atenienses”.
Analisamos claramente que isto quer
dizer que o rei concedeu o direito ao voto para todos os cidadãos: homem e
mulher, no entanto, a mulher não queria concessão gratuita, ela partiu para o
campo da conquista e paulatinamente em pleno século XXI os espaços começam
ceder para a permissão do direito à igualdade.
Faz nos lembrar àquelas ironias
utilizadas na composição musical de Chico Buarque – Mulheres de Atenas –
expressando de forma politizada as mulheres na seguinte estrofe:
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de
Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça
de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram Mais duras
penas
Cadenas
Desde a Grécia e Roma antigas, cidadania
e voto estão umbilicalmente ligados. Apenas a alguns homens era concedida a
condição de cidadão e apenas estes poderiam participar da esfera pública
política de acordo com o poder aquisitivo de bens que possuía. .
Historicamente, do século XVIII em
diante, o ideal ocidental da cidadania plena baseada nos princípios de
igualdade, liberdade e fraternidade, postulados erigidos pela Revolução
Francesa, a participação e a igualdade para todas as pessoas servem como
parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania de um país.
O século XIX se caracterizou pelas lutas
por direitos. Um período que ficou bem patente que homens brancos e ricos eram
os únicos portadores de direitos civis, políticos e sociais. Percebeu-se que
essa estrutura de poder não poderia persistir e visto como um sistema
anacrônico, por isso, surgia o ideal de luta pelo sufrágio universal quando
nasce a luz pela busca do reconhecimento de todas as pessoas enquanto
indivíduos/cidadãos.
Por seu turno, segundo Geneviéve Fraisse
e Michelle Perrot, na obra “História das mulheres no Ocidente”, “os movimentos
feministas do século XIX e início do século XX buscavam a transformação da
condição da mulher na sociedade através da luta pela participação no âmbito
eleitoral”. De fato, essa é uma das primeiras pautas dos movimentos de mulheres
capaz de se difundir pelo mundo industrializado ou em industrialização.
Na Europa, a luta das sufragistas se
misturava à luta do movimento operário contra a exploração dos trabalhadores,
atuando no âmbito dos partidos de esquerda, socialistas e comunistas.
Finalmente, na esfera internacional a
Nova Zelândia, em 1893, deu o passo inicial reconhecendo o direito de voto à
mulher e logo depois a Finlândia, em 1906, foram os primeiros países a
reconhecer o direito das mulheres ao voto.
Nas Américas, a Constituição dos Estados
Unidos, promulgada em 1787, só em 1919 definiu o direito de voto para as
mulheres, através da Emenda Dezenove.
Desde a formação da sociedade
brasileira, as mulheres foram excluídas de todo e qualquer direito político.
Por exemplo, a Carta Outorgada do Império (1824) e a primeira Constituição da
República (1891) não lhes concederam o direito de votar e nem de serem votadas.
Uma situação que persistiria até as primeiras décadas do século XX. Eram,
portanto, consideradas cidadãs de segunda categoria. Verdade seja dita: este
não era apenas um problema do Brasil, pois, naquela época, as mulheres estavam
excluídas dos seus direitos políticos na quase totalidade dos países do mundo.
O Brasil há muito tempo que lutava pelo
voto feminino, porém perdeu a chance de ser a primeira nação do mundo e aprovar
o sufrágio feminino. No dia 1º de janeiro de 1891, com a presença de 31
constituintes que assinaram uma emenda ao projeto da Constituição conferindo
direito de voto à mulher. Esta emenda foi rejeitada. A ideia de mulheres
atuando na esfera política fora rejeitada por séculos em todo o mundo e levaria
algumas décadas para que os mais elementares direitos fossem obtidos.
No Consultor Jurídico do jornal "O
Estado de S. Paulo”, encontra-se a informação de que logo após a Proclamação da
República, o governo provisório convocou eleições para uma Assembleia
Constituinte. Na ocasião, uma mulher conseguiu o alistamento eleitoral
invocando a legislação imperial, a "Lei Saraiva", promulgada em 1881,
que determinava direito de voto a qualquer cidadão que tivesse uma renda mínima
de 2 (dois) mil réis.
Por incrível que nos pareça, no Nordeste
brasileiro, o nosso vizinho Estado do Rio Grande do Norte concedeu o voto à
mulher: em 1927, naquele rincão nordestino foi registrada a primeira eleitora,
Celina Guimarães Viana, que requereu o alistamento baseada no texto
constitucional do estado que mencionava o direito ao voto sem distinção de
sexo.
Entretanto, na primeira eleição em que
as mulheres votaram, seus votos foram anulados por decisão da Comissão de
Poderes do Senado Federal, em 1928, sob a alegação de que era necessária uma
lei especial a respeito. Em seguida, o estado elegeu, em 1929, a primeira
prefeita da América do Sul, Alzira Soriano, na cidade de Lajes.
Em 1930, começou a tramitar no Senado o
projeto que garantiria o direito de voto às mulheres, mas com a revolução
ocorrida naquele ano, as atividades parlamentares foram suspensas. Depois da
vitória das forças democráticas, foi nomeado um grupo de juristas encarregado
de elaborar o novo código eleitoral – dentre eles estava Bertha Lutz.
Em fevereiro de 1932, Getúlio Vargas
assinou o tão esperado direito de voto. No ano seguinte, as brasileiras puderam
participar da escolha dos seus candidatos para a Assembleia Constituinte em
todo o país, mas o voto feminino ainda era facultativo. Somente com a
promulgação da nova Carta Magna de 1934 o direito feminino de se alistar foi
transformado em obrigatório.
Somente há pouco mais de 80 anos as
mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto, adotado em nosso país em
1932, através do Decreto nº 21.076 instituído no Código Eleitoral Brasileiro e
consolidado na Constituição de 1934.
A Constituição de 1988 - que tem, entre
seus eixos, princípios relativos aos direitos humanos, a partir dos quais se
definem responsabilidades do Estado - implicou novos avanços no marco normativo
ao estabelecer parâmetros de igualdade para homens e mulheres. Apesar disso,
ainda é muito modesta a participação política da mulher brasileira no Congresso
Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, uma das mais
baixas da América Latina. Desde o advento da nova Constituição Federal, as
brasileiras lutam para ocupar cada vez mais espaços de poder e decisão,
compreendendo que as transformações sociais, políticas e econômicas em curso no
Brasil passam, necessariamente, pela efetiva participação e ampliação do poder
político destas que são mais da metade da população brasileira.
É preciso intensificar o poder político
das mulheres nas mais diversas esferas
João
Pessoa – PB, 20 de agosto de 2018.
*Escritor
Pombalense e Promotor de Justiça em João Pessoa
scoelho@globo.com
VOTO DA MULHER
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/24/2018 11:42:00 AM
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