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AURORA DA MINHA VIDA

Francisco Vieira


Francisco Vieira*


Certamente, poucos são os brasileiros que desconhecem estes versos. “Que saudade que eu tenho/Da aurora da minha vida/Da minha infância querida/Que os tempos não trazem mais”. Casimiro de Abreu.

A propósito, vida e tempo passam inexoráveis, deixando lembranças que de tão vivas parece ter sido ontem. Lembranças que se faz saudade, um sentimento de dor e alegria, um misto doce e amargo que faz bem. Portanto, feliz quem na velhice recorda a infância e a adolescência com prazer.

Aprisionado ao passado me transporto no tempo e revivo os prazeres da infância, época em que a gente era feliz com pouco ou quase nada. O objetivo era brincar, viver como criança e o castigo era o preço da desobediência.

Recordar é rever a partir da cidade antiga: simples, pacata e tranquila, sentindo a presença dos amigos, com quem compartilhei brincadeiras, tempo e espaço. É ouvir o apito da Brasil Oiticica, o barulho estrondoso do trem, se não tão pontuais como o Big Ben, mas, tão necessários a população, uma referência. Ainda acordar com os gritos dos desajuizados, enquanto no Café de Madalena os primeiros fregueses davam conta dos últimos acontecimentos.

Quanta saudade do primeiro amor, do beijo desejado, da primeira professora, os brinquedos, colegas de escola e a

primeira comunhão. Quão emocionante vestir o primeiro terno e bailar a primeira valsa na festa de debutantes. Como não lembrar de tudo isso se a primeira vez ninguém esquece.

Recordo as brincadeiras e os sonhos impossíveis que nos faziam pensar em ser médico, juiz, delegado, padre, aviador, tudo num só tempo. A imaginação permitia pensar grande, criar nossos brinquedos e a rua era nosso mundo, onde um par de sandálias, “Havaiana” ou “Dupé”, faziam as traves do estádio improvisado. Machucar o dedão do pé e ralar o joelho eram os riscos mais comuns, que tratados com mercúrio e cibazol eram rapidamente curados. Brigas, só de pequena intensidade e acabavam sempre com um abraço ou aperto de mão.

Mergulhando na imaginação vem à tona as Escolas João da Mata, Normal e Ginásio Diocesano, tão presentes na memória quanto o Cine Lux, Rio Piancó e uma tarde de futebol no Vicente de Paula Leite. Impossível não lembrar as grandes festas no Pombal Ideal Clube ao som dos Águias, sobretudo a Festa do Rosário- maior expressão de fé do sertão - e curtir o Parque Maia.

Num toque de mágica ressurge os anos 60 e 70, quando a música tocava nossos corações, hoje sucumbida pela mídia insana que valoriza os lucros em detrimento da qualidade musical. Ouso afirmar: com raras exceções, a música atual é um sentimento de mau gosto.

Hoje, com a globalização, infância e juventude não são as mesmas. É facilmente perceptível a interferência tecnológica nas famílias mudando o inter-relacionamento entre as pessoas, principalmente os jovens. Se não bastasse os brinquedos comuns cederem espaço para os aparelhos eletrônicos, a internet com seu alto poder de envolvimento está inserida nas famílias inibindo a criatividade e a manifestação afetiva entre as crianças. Contudo, nada, absolutamente nada, poderá substituir a relação corpo a corpo, olho no olho, responsável pela interação entre as pessoas.

O valor das coisas se resume no modo como elas tocam o coração. A infância é uma lembrança distante que está próxima, dentro de nós. Daí, a certeza de que nada foi em vão, que na infância fui feliz.

Por isso e muito mais, daria tudo para ser criança outra vez e viver novamente a AURORA DA MINHA VIDA.

Pombal, 23 de abril de 2019.

*Professor e Escritor

AURORA DA MINHA VIDA AURORA DA MINHA VIDA Reviewed by Clemildo Brunet on 4/24/2019 06:10:00 AM Rating: 5

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