A celeridade processual, a extinção (agregação) de Comarcas ou a humanização dos processos ?
Não interessa a ninguém nem
a sociedade que um processo judicial se torne eterno, esquecido de decisão em
uma prateleira de algum cartório ad perpetum, tornando-se símbolo da morosidade
da justiça. Por outro lado, não se pode almejar que apenas a celeridade
processual se paute como elemento “central” a ser perseguido na difícil tarefa
de distribuir justiça nesse país.
Hoje, o que parece se
desnudar ante o volume de ações a serem enfrentadas pelo Judiciário brasileiro
é que os processos judiciais no Brasil estão correndo um sério risco de
perderem a humanização e se transformarem apenas em números, em metas
estatísticas, onde o que vigora é a necessidade de extinguir o processo,
preencher formulários de sentença, julgar
a ação, diminuir o número dos processos, embora isso nem sempre represente a
extinção do conflito que o originou. Processo findo, nem sempre representa
garantia da boa prestação judicial. Sentença prolatada não é certeza de
resposta humanitária e se não é humanitária não é distribuição de justiça, é
letra fria escrita no tecnicismo do mármore formal do judiciário
brasileiro.
Com efeito, a exclusão
jurídica assim como a social, fragiliza e transporta o homem a condição de
invisível, divorciado da conjuntura jurídica vigente, ignorando a boa percepção
do homem pelo homem e afrontando os direitos naturais da dignidade humana que
alicerçam fundamentos constitucionais e até normas de caráter internacionais.
É certo ainda que não se
pode abordar o tema da humanização do processo sem invocar a presença das
pessoas, atores envolvidos nessa cena, povo, tempo, Estado, conflito, justiça.
Indubitavelmente, todo o princípio doutrinário
e jurídico que existe sobre a oralidade do processo e a presença de um juiz é,
sem sombra de dúvidas, uma garantia do cidadão a um processo justo, democrático
e igualitário. Não se concebe que um processo possa percorrer todos os seus
trâmites legais com toda a “agilidade” sem que haja a presença de manifestações
orais ocorridas por meio do contato direto e imediato do cidadão com o juiz no
universo dos autos.
O que nos parece certo é que
enquanto a sociedade clama por ser ouvida, o judiciário brasileiro, em nome de
uma celeridade processual arriscada, cada vez mais reduz e mitiga a voz das
partes e das testemunhas no processo. Fecham Comarcas sob os mais diversos
argumentos, sobretudo, o orçamentário, relegando a segundo plano a função precípua da acessibilidade do povo
clamar por seus direitos.
Há magistrados, inclusive,
que têm extrema facilidade de dispensar as oitivas das testemunhas e das
partes, como se elas nada tivessem a acrescentar, a dizer de relevante para a
solução dos conflitos. Evidente que para a sociedade a leitura que se faz disso
é a de uma sensação de um constante distanciamento entre o judiciário e o povo,
que ganha força ante o excesso de formalismo dos tribunais. Isso tudo gera um
conflito pautado na ausência de legitimidade ante o descompasso entre o que
judiciário oferece ao cidadão e o que este suscita esperar do judiciário. Um
dilema muito mais sério que o da morosidade da justiça.
Não raramente o que se vê é que o processo não
passa de mais um número arábico lançado num sistema eletrônico de
acompanhamento processual. Primeiro, as partes perdem o nome e ganham números
como identificadores. Os processos caminham, a passos largos, em direção a
perder-se do seu cunho humanitário, tornando-se cadernos estatísticos, dígitos
que precisam de celeridade, quase sempre em sacrifício das angústias e essência
humana que os permeiam.
Agora, já se pleiteia até a
substituição de Servidores por decisões tomadas pela inteligência artificial, a
máquina substituindo o homem, o foco é o orçamentário e a automação. Justiça e
humanidade é questão do povo. Se para o Estado o processo significa dispêndios,
de outro modo, para a pessoa, para as partes, ele é, quase sempre, único,
indivisível, o fio de esperança, a oportunidade da pessoa se expressar numa
audiência com seus anseios, pleitos, e principalmente de se posicionar defronte
a um juiz.
Tem o cidadão o direito de
falar e o judiciário por sua vez o dever de considerar toda manifestação oral
no processo, isso representa, no mínimo, um processo justo, humano e
democrático. Mas não se espantem, brevemente máquinas preencherão modelos
pré-definidos, algoritmos sentenciarão processos.
O juiz precisa, antes de
tudo, ser muito mais que um técnico prestador de respostas judiciais. O
Magistrado deve ser um ente “orgânico”, vertebrado, capaz de somar aos
elementos frios do processo a fervura das emoções, transformar-se numa simbiose
mútua em que possa mostrar-se organicamente uno com as questões que afloram aos
reclames dos autos do processo. E saber ouvir, oportunizar a audição é um passo
muito importante nessa direção simbiótica. A inteligência artificial jamais
fará isso!
A oralidade tem o condão de
trazer a frieza dos papéis aspectos muito mais humanos. É possível através da
oportunidade das inquirições se acolher uma série de elementos, inclusive de
cunho emocionais das partes que podem interferir diretamente no resultado da
ação. Ali, a testemunha ou as partes são homens que falam ao juiz, com todas as
suas prerrogativas, aflições, medos, emoções, expectativas. Suas falam não
afastam a celeridade das ações, mas possibilitam uma prestação célere sem que
se afaste a possibilidade de uma efetiva participação no processo.
O fechamento (agregação) de
Comarcas e o distanciamento da Justiça será um duro golpe para aquele João da
Silva, cidadão comum, homem do povo,
carente de recursos e de conhecimento, sem voz, preso em suas impossibilidades
de reclamar o seu direito. Distante da suntuosidade dos palácios. A ausência de sua oralidade no corpo do
processo representa outro meio incontestável de exclusão judicial vigente. As
pessoas têm muito a dizer e querem dizer. O que falta é a humanização dos
processos, o enxugamento das formalidades e do preciosismo tão presentes no
Judiciário brasileiro.
Teófilo
Júnior
Teófilo Júnior |
*Jurista,
Escritor, Cronista e Poeta
A celeridade processual, a extinção (agregação) de Comarcas ou a humanização dos processos ?
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/12/2019 08:52:00 AM
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