O CRIME DA RUA DA CRUZ
Por Severino
Coelho Viana
Recebemos
uma incumbência para analisar o caderno processual de um fato delituoso que
ocorreu no dia 02 de junho de 1883, no Município de Pombal, na forma de um
esboço de livro, intitulado de “O CRIME
DA RUA DA CRUZ”, de autoria do escritor JERDIVAN NÓBREGA DE ARAÚJO. O
processo tramitou no Cartório do Primeiro Ofício de Pombal, que tinha como ré: MARIA DA CONCEIÇÃO, denunciada pela
prática do crime de INFANTICÍDIO, tendo sido absolvida no primeiro julgamento
e, depois, condenada no segundo julgamento, aplicando-se a pena de três anos de
reclusão.
Decorridos
quase 130 anos da data do fato, os autos estavam arquivados, não se sabendo o
resultado final da sentenciada, se cumpriu integralmente a pena que lhe fora
aplicada, ou se morreu na cadeia ou terminou sendo uma foragida, ou depois de cumprida
a pena foi se embora de Pombal a procura de um recanto que lhe desse sossego e
encontrasse um manto de amparo que lhe cobrisse a vergonha pelo ato praticado.
Á
época do fato vivenciada por Maria da Conceição, na condição de mulher pobre e
trabalhadora do lar, num repiscar da história de Pombal comparando com a de
hoje quase que não evoluiu em termos da existência do preconceito, nas suas
variadas formas, como um desalento de desrespeito à dignidade da pessoa humana,
quando as pessoas só sabem observar o lado mais cruel da história, que degrada,
aniquila e humilha a pessoa humana, muitas vezes, esquecendo a semelhança
existente na essência humana.
O
fato apurado, independentemente do desfecho do julgamento, mostrava que havia
um triângulo amoroso entre a autora do fato e dois personagens masculinos.
Rufino Gouveia era o namorado oficial de Maria da Conceição, já com a data do
casamento marcado; enquanto que Francisco era o terceiro tripudiante.
Debulhando as sementes fatídicas, Maria da Conceição engravidou de Francisco,
mas queria casar com Rufino Gouveia, entretanto, para encobrir a gravidez e
preservar a sua honra, cometeu o crime de infanticídio, matando o próprio
filho, mas caiu na cilada constituída pela natureza de que não existe o crime
perfeito.
O
meio social que vivia não lhe proporcionava uma condição de vida digna. De
origem pobre que sobrevivia prestando serviços domésticos, não tinha pai, não
tinha mãe, nem irmão, quando engravidou do urso, sentiu-se como se fosse um
fardo que iria incomodar o resto de sua vida, não conseguindo atingir o grau
mínimo de sensibilidade humana, acabou cometendo o gesto tresloucado.
O
autor afirma categoricamente que na cidade de Pombal houve dois crimes de
infanticídio, um praticado por Maria da Conceição, quando no estado puerperal
matou o próprio filho, naquelas circunstâncias aflitivas de sentido psicológico
e emocional, logo após o parto. Então, matando uma criança que não seja o
próprio filho não se trata de infanticídio, mas, sim, de homicídio propriamente
dito. No caso de antropofagia de Donária dos Anjos, ocorrido na seca de 1877,
não se caracterizou um infanticídio, porém um homicídio qualificado pelos “modus necandi” da crueldade. Portanto,
a assertiva do autor não é verdadeiramente correta, pois os fatos históricos
são completamente distintitos. Na verdade, o infanticídio de Maria da Conceição
ficou perfeitamente caracterizado sem sombras de dúvida.
Cuidadosamente
esclarecemos o que seja infanticídio.
O
Infanticídio é um crime contra a vida, bem como o aborto. Contudo, mesmo sendo
um crime contra a vida não é homicídio. O Homicídio tem elementares
específicas, como todo crime. No infanticídio existem elementares diferenciadoras
do crime de homicídio: sujeito ativo próprio, circunstância de tempo, sujeito
passivo único; o que não acontece com o homicídio - Matar alguém. O
infanticídio, nunca poderia ser um homicídio, pelo princípio da reserva legal
que define pormenorizadamente cada conduta típica, colocando-o em cada tipo
penal. O infanticídio tem elementares próprias. Assemelha-se ao homicídio pelo
objeto jurídico protegido - vida. Nada mais. Quanto ao aborto, também tem
elementares próprias em cada modalidade. Nem sequer se assemelha ao homicídio.
No aborto o objeto juridicamente protegido é a vida do feto concebido e não
nascido, enquanto que no homicídio somente pode ser consumado se nascido com
vida. Entendeu a diferença. Aclareamos, ainda, que cada tipo é único, não sendo
um a mesma coisa que outro.
O
infanticídio é figura única, diz matar, sob a influência do estado puerperal, é
elementar do crime, é personalíssimo e incomunicável, sendo assim, só a
parturiente se ajustaria em face deste tipo penal, no entanto, o homicídio pode
ser praticado por qualquer pessoa, por isso, que diz matar alguém.
O infanticídio é o homicídio da mãe contra o próprio
filho, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal. Em
alguns países, o infanticídio é também o crime da mãe motivada por uma razão de
honra quando ela, desejando esconder a gravidez indesejada, por fruto de
adultério ou sendo solteira ou viúva, acaba por causar a morte do
recém-nascido. Também no passado, foi esse o critério que tornava a morte do
recém-nascido um homicídio privilegiado.
No estado puerperal se incluem os casos em que a mulher,
mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada,
enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação
de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho.
Infanticídio é delito doloso, devendo a mãe estar
consciente de que sua conduta causará a morte do filho e agir com vontade de
matá-lo. Além do dolo, deve a mãe estar sob a influência do estado puerperal.
São dois, portanto, os elementos subjetivos desse tipo de crime. O dolo de
matar e a influência do estado puerperal. O dolo é o mesmo do homicídio.
Consciência e vontade de realizar o tipo. Possível o dolo eventual, com
previsão e aceitação do resultado, mesmo sem o desejar. O segundo elemento
subjetivo é a influência do estado puerperal. Puerpério é o período de tempo,
variável conforme as características de cada parturiente, que a mulher
experimenta profundas modificações genitais, gerais e psíquicas, com o
gradativo retorno ao período não gravídico. Inicia-se com a dequitação da
placenta. Sofre a mulher diversas modificações nos aparelhos
cardiocirculatório, digestivo e urinário, alterações sanguíneas, da pele e, o
que mais interessa aqui, alterações psíquicas. A experiência traumática do
parto, com dores, contrações, enorme esforço físico, toda a expectativa da
maternidade, o início da lactação e a presença do recém-nascido, somada à
alteração do ritmo do sono, pode trazer para a mãe alterações de natureza
psíquica que vão de simples crises de choro até crises depressivas, seguidas de
instabilidade emocional e até mesmo de um quadro de psicose puerperal. É o
estado puerperal de que trata o Código Penal. O estado puerperal ou puerpério
existe logo após todos os partos, mas, nem sempre, suas consequências são tão
graves. Assim, não basta que a morte se dê durante ou logo após o parto, em que
há o estado puerperal. É indispensável que esse estado afete de modo grave a
mente da mãe. Para algumas mulheres, o estado puerperal é um verdadeiro
martírio e somente quando sua influência afetar seu psiquismo é que se poderá
falar em infanticídio. Mormente quando a gravidez é indesejada, seja por motivo
de honra, cada vez menos frequente, mas principalmente por motivos de ordem
econômica e social, é mais comum sofrer a gestante a influência do puerpério,
tendo seu equilíbrio psicológico acurado de modo importante e levando-a, muitas
vezes, a comportamentos desatinados. Nesse estado, a mãe que matar o próprio
filho comete infanticídio, apenado com reprimenda mais branda do que aquela
cominada ao homicídio.
Ser mãe, no Brasil dos séculos
XVII e XVIII, era muito complicado, a maioria das relações era irregulares,
vistas com rejeição pela sociedade, contrariando
as normas estabelecidas pela Igreja, pois grande parte das mulheres pobres
estava inserida num cenário familiar caracterizado pela ausência dos maridos,
companheiros instáveis, mulheres chefiando seus lares e crianças circulando em
outras casas e sendo criadas por comadres, vizinhas e familiares.
De
qualquer maneira, a publicação de “O CRIME DA CRUZ DA MENINA” faz rememorar o
fato para a geração do presente e servirá para uma análise acurada a geração do
futuro, conhecendo-se Pombal antes e depois será possível que os fatos
truculentos do passado para remediá-los, pelo menos, com um grau de civilidade
e humanismo, no presente.
João
Pessoa – PB, 25 junho de 2012.
SEVERINO
COELHO VIANA
O CRIME DA RUA DA CRUZ
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/25/2012 11:20:00 AM
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