Repensando as políticas de desenvolvimento rural para o Semiárido nordestino
Saul Ramos de Oliveira |
Por:
Saul Ramos de Oliveira*
Cinco anos de seca no nordeste vêm
trazendo efeitos devastadores para seus Estados. Perdas das lavouras e animais
dos agricultores, impacto negativo na economia dos municípios, desemprego,
aumento dos preços dos alimentos, racionamento de água em várias cidades e etc.
Isso trouxe, novamente, o nordeste e seu problema da seca para a mídia, sendo
alvo de várias reportagens e matérias. No entanto, muitas dessas reportagens
enfatizam mais os problemas que a região passa do que as possíveis soluções,
exploram os efeitos da seca ,na maioria
das vezes, de forma sensacionalista do
que com seriedade, e
Segundo a mídia tradicional, todos os
motivos para a falta de desenvolvimento do nordeste são apenas ligados à falta
de água. Infelizmente esse pensamento é amplamente difundido e aceito entre as
autoridades políticas do nordeste, do Brasil e pelos agricultores que esperam
ansiosos todos os anos pela chuva. Esse pensamento vem a bastante tempo guiando
as ações de intervenção do governo no nordeste, a famosa política do ‘’
combate a seca’’.
Segundo a mídia tradicional, todos os
motivos para a falta de desenvolvimento do nordeste são apenas ligados à falta
de água. Infelizmente esse pensamento é amplamente difundido e aceito entre as
autoridades políticas do nordeste, do Brasil e pelos agricultores que esperam
ansiosos todos os anos pela chuva. Esse pensamento vem a bastante tempo guiando
as ações de intervenção do governo no nordeste, a famosa política do ‘’ combate a seca’’.
Vários trabalhos acadêmicos e
técnicos questionam a eficiência e os
impactos positivos dessa política. O combate a seca teve maior enfoque na
criação dos perímetros irrigados como os de Acaraú e Jaguaribe (CE) e Açu e
Apodi (RN), Petrolina-Juazeiro (PE) e (BA). A construção desses perímetros ao
longo dos anos, infelizmente, não foi capaz de transformar a realidade do
nordeste. Inúmeros pontos negativos causados por esses perímetros podem ser
discutidos, entre eles, a imposição antidemocrática de muitos projetos de
colonização, desvio do debate sobre a reforma agrária, concentração de terras,
falta de estudos técnicos sobre culturas e solos agrícolas o que acarretou
impactos ambientais como salinização do solo em Sousa (PB), entre outras.
Um dos pontos mais controversos dos
perímetros irrigados, está sua larga utilização pelo setor privado com intuito
de enriquecimento individual e não dos pequenos e médios produtores como forma
de desenvolvimento regional. Nos anos 2000, o Brasil possui cerca de 3,5
milhões de hectares irrigados, sendo 500 mil inseridos naregião semiárido.
Dentre os 500 mil, cerca de 140 mil hectares estão localizados em áreas
públicas na forma de assentamento e cerca de 360 mil em propriedades e empresas
de domínio privado (1).
Os perímetros irrigados nas mãos do
setor privado se concentram mais na exploração de fruteiras irrigadas para
exportação do que no desenvolvimento do mercado regional interno e auto
suficiência alimentar dos municípios. Essa lógica ,exclusivamente
mercadológica, vem causando, indiretamente, exclusão de grande parte dos
pequenos produtores descapitalizados, concentração fundiária, êxodo rural, etc.
Assim podemos nos perguntar: a inviabilidade da política de combate a seca e os
diversos pontos negativos relacionados à construção de perímetros irrigados em
todo nordeste podem colocar em cheque o projeto, em andamento, da transposição
do Rio São Francisco? Sim e não.
Se a lógica for apenas a disponibilidade
de água como catalisador de desenvolvimento, o projeto estará fadado ao
fracasso. Assim como a política de reforma agrária distributiva e de
colonização, apenas a disponibilidade de água e alguns projetos de irrigação
não são suficientes para gerar desenvolvimento para o nordeste, muito menos
contribuir com a erradicação da pobreza. Se essa lógica vier com o projeto de
transposição, com exceção de melhorias ao acesso à água para consumo humano e
animal, pouco se mudará no estagnado desenvolvimento nordestino como um todo.
Também vale lembrar que o grande projeto vem
com enormes custos econômicos para o Brasil, e se não for orientado de forma
correta também trará enormes custos sociais como: especulações nas terras
favorecidas pela transposição, concentração fundiária, desemprego, impactos
ambientais entre outros.
A transposição para ser positiva terá
que ter o foco em projetos de irrigação, não só para produzir fruteiras visando
o mercado externo mas também para a
produção de alimentos essenciais para a cesta básica. Com a produção de
alimentos voltado para os mercados regionais, os preços dos mesmos diminuirão
proporcionando segurança alimentar e gerando possibilidades de transferências
de renda, que antes eram destinadas apenas para alimentação e para outros
setores comercias gerando mais desenvolvimento na região.
Também temos que levar em consideração
às áreas do semiárido nordestino, que em sua grande maioria, não são e não se
encontram próximas às áreas úmidas que serão beneficiadas pela transposição do
rio. Nessas áreas, é necessário que se invista na chamada irrigação de pequeno
porte, ou seja, uma irrigação de baixo custo. A pequena irrigação são várias
técnicas de captação e conservação de água no solo que visa o racionamento e o
uso racional das águas nos períodos de estiagem.
Uma combinação muito eficiente dessas
técnicas é a construção de barragens subterrâneas em riachos, associada à
perfuração do poço amazonas, barramentos com pneus, conhecidas como BAPUCOSA e
uso de terraceamento com tiras de pneus (TETIP) (2). Outras técnicas também
importantes são as de captação de água em cisternas convencionais e do tipo
calçadão e enxurradas, além de sistemas de reaproveitamento de águas domésticas
para serem utilizadas em pequenas hortas.
Nas áreas com pouco acesso às águas, os
sistemas agrícolas e pecuários também necessitam de mudanças. Nos agrícolas, o
uso de culturas de ciclo curto ou com características de baixa demanda hídricas
ou melhoradas geneticamente para esse fim é mais que uma necessidade. Citando
algumas plantas com melhores desempenhos sobre estresse hídrico, temos: Caju
(Anacardiumoccidentale), mamoma (RicinusComunis), sorgo (Sorghurn bicolor),
mandioca (Manihotesculenta), além de espécies nativas como o umbuzeiro
(Spondias tuberosa), oiticica (Licania rígida) e exóticas como
algaroba(Prosopisjuliflora) e leucena (Leucaenaleucocephala.).
Do ponto de vista da pecuária, é
necessário que se tenha um trabalho de conscientização dos pequenos pecuaristas
para migrarem, pelo menos,parcialmente, para a criação de um animal de porte
menor ou mais adaptado às condições da secas. Ovinos e caprinos não só consomem
menos forragem como possuem uma maior reprodução e são mais resistentes aos
períodos de seca. Enquanto os bovinos consomem em média 45 L de água por dia,
os ovinos, em clima quente, consomem na média de 5-6 L por dia, já os caprinos
se enquadram na média do consumo de água dos ovinos, contudo, possuem uma maior
capacidade de retenção corporal de água, além de possuir espécies que bebem
água uma vez a cada quatro dias (3).
Cruzamentos interessantes de ovinos e
caprinos na obtenção de maior produtividade de carne por área também se mostram
uma vantagem. Entre os ovinos, o
cruzamento das raças Santa Inês com a raça Dorper unifica maior resistência à
seca e rusticidade do primeiro com maior produção de carne do segundo. Já os
caprinos, o cruzamento entre a raça Boer com a raça Anglo Nubiana proporciona
maior produtividade em kg por cabrito produzido por cabras em vários sistemas
de produção, além de definir uma melhor carcaça para esses animais (4).
A produção de gado não precisa ser
extinta, apenas é necessária a escolha da raça certa. Para o semiárido, a raça
de gado Sindi é uma das mais indicadas. Essa raça originária das regiões áridas
do Paquistão, chegou ao Brasil por volta de 1952. Mostrando rusticidade,
resistência a doenças, baixo consumo de alimentos e etc, logo de destacou como
uma grande esperança e alternativa para a pecuária tropical.
Outras atividades como a criação de
abelhas (apicultura) e de galinha caipira, também são alternativas para
aumentar a diversificação e a renda do produtor sem grandes gastos no processo
produtivo. Assim, essas e outras tecnologias básicas e não muitos caras já
estão disponíveis e esperando para serem colocadas em práticas para o
desenvolvimento do semiárido.
A transposição do Rio São Francisco a
cada dia se aproxima mais do semiárido nordestino trazendo esperanças e
críticas. Os esperançosos falam em desenvolvimento e abundância de água, os
críticos falam que as águas só servirão aos grandes fazendeiros da região, e
que os pequenos agricultores e habitantes dos rincões secos não utilizarão e
nem beberam sequer uma gota dessa água. Na verdade a transposição do Rio São
Francisco é uma caixa preta, que somente o tempo dirá quem terá razão.
Independente de rio ou não, o nordeste
tem plenas condições de sair da lógica do combate a seca e suas políticas
limitadas de disponibilidade de água. Inúmeras estratégias para o
desenvolvimento donordeste estão disponíveis, mas para isso é necessária a
vontade dos governos da região e um projeto sério de desenvolvimento que
busquem aproveitar as potencialidades e a convivência com as adversidades do
semiárido.
Avalição de aspectos histórico/geográficos dos
estados, projetos agronômicos e zootécnicos voltados para a região, formação de
recursos humanos, pesquisas nas diversas áreas, extensão rural, preservação e
conservação do meio ambiente e etc, são pontos importantíssimos para projeto.
Um processo de reforma agrária também se faz necessário, mas não uma reforma
agrária baseada em outras regiões ou de forma colonizante, onde se trata,
muitas vezes, os assentados como animais, sendo jogados em qualquer lugar a sua
própria sorte. E necessária uma reforma agrária que traga a terra, mais também
cooperativas, agroindústrias, assistência técnica, crédito, e principalmente,
que esteja projetada para as especificidades do semiárido colocando os
assentados em uma lógica produtiva específica.
Vários exemplos de convivência de
sucesso com a seca são apontados no mundo. Agricultores americanos produzem
toneladas de vários vegetais nos campos áridos da Califórnia, não reclamam de
seu clima, muito menos desistem perante as adversidades. Agricultores
Israelenses possuem apenas cerca de 20% de suas terras aráveis sobre clima
extremamente árido, mesmo assim, conseguem produzir, através de técnicas
modernas de irrigação, toneladas de alimentos para exportação e para consumi
interno.
Produtores espanhóis da região seca da
Múrciadesenvolveram sistemas de drenagens e irrigação de suas águas de forma
muito eficiente, o que lhes garantiram o protagonismo na produção de frutas e
hortaliças em toda Espanha.Australianos também são conhecidos por suas agriculturas
altamente produtivas em pleno deserto.
Uma nova forma de pensar o nordeste
precisa ser colocada no limiar desse projeto. Um pensar otimistae realista, um
pensar que procure ver o nordeste como ele é e não como gostaríamos que fosse.
A seca existe e sempre existirá, é um fenômeno climático cíclico! Mesmo assim é
possível uma convivência viável, só basta se adaptar a ela e não querer
modificá-la em vão. É inadmissível que o governo federal e estaduais do
nordeste não tracem projetos de desenvolvimento para a região baseados nessa
realidade.
Enquanto esse novo pensar não chega, a
indústria da seca vem lucrando como sempre. As raposas velhas da política
nordestina em conchavos com latifundiários e demais interessados nessa
indústria, como sempre, se utilizam da seca para garantir seus interesses.
Créditos milionários a fundo perdido, perdão de dívidas, isenções fiscais,
construções de açudes em propriedades privadas, especulação de animais e
alimentos, esses são alguns exemplos do uso da seca para ganhos de alguns
perante o flagelo de vários.
Inúmeros casos podem descrever o que é a
indústria da seca e seus propósitos sórdidos. Mas, talvez um caso pitoresco e
recente represente de forma fidedigna o que se característica tal indústria. No
município de Santa Terezinha localizado no sertão paraibano, a prefeita eleita
nas últimas eleições decidiu fazer uma comemoração um pouco diferente das de
costume, a mesma decidiu realizar um ‘’ superbanho’’ com água de carro pipa em
seus eleitores. O interessante é que a cidade está entre os 196 municípios
paraibanos em situação de emergência devido à seca.
*Saul
Ramos de Oliveira é Engenheiro Agrônomo, e Mestrando em Horticultura Tropical,
Ambos pela UFCG.
Referências
(1)
VALDES, Alberto et al. Impactos e externalidades sociais da irrigação no
semiárido brasileiro. Banco Mundial. Brasília/DF, 2004. Disponível em:
http://www.pontal.org/docs/benefits3.pdf. Acesso em 10/01/17.
(2)
FUNASA/ATECEL/UFCG. Técnicas agrícolas para contenção de solo e água.
Disponível em:Acesso em: 10
jan. 2017.
(3) EMBRAPA. Água na nutrição animal.
Disponível em:
Acesso
em 10 jan 2017.
(4) SOUSA, W.H.; CÉZAR, M.F.; CUNHA, M.G.G.
Estratégias de cruzamento para produção de caprinos e ovinos de corte: uma
experiência da Emepa. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRODUÇÃO DE CAPRINOS E OVINOS,
1., 2006, Campina Grande. Anais... Campina Grande, 2006. p.338- 384.
Repensando as políticas de desenvolvimento rural para o Semiárido nordestino
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/11/2017 09:18:00 AM
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