"A Velha Cacimba do Cruzeiro" (Coisas de Pombal)
Eronildo Barbosa |
Por
Eronildo Barbosa da Silva*
Quando criança tive a feliz oportunidade
de conhecer uma Cacimba que havia em Pombal, na Rua Major Saturnino Rodrigues,
no bairro do Cruzeiro, na altura do número 855, perto da empresa que fornece
água potável para a cidade, na época Cagepa, mas, por conta das privatizações,
na grande maioria equivocadas, pode ser que sua denominação seja outra nos dias
de hoje.
As pessoas iam diariamente a essa
Cacimba para buscar água, porque no início dos anos setenta a água potável só
chegava a algumas residências no centro da cidade. A chamada elite da cidade.
Os bairros do Cruzeiro e
É importante esclarecer que a expressiva
maioria das casas e repartições públicas, na década de setenta, era abastecida
de água por aguadores. Consistia o trabalho desses profissionais no transporte
de água, em carroças, com tanque ou latões, puxadas por burro ou jumento. As
carroças desfilavam pelas ruas da cidade derramando pequenos filetes de água.
Os aguadores captavam água no trecho do
Rio Piancó que fica por traz do grande hotel ou no trecho do Rio que passa
próximo a rua de baixo. O liquido chegava às residências sem nenhum tipo de
tratamento.
O único cuidado, quando a dona da casa
estava por perto, era o aguador colocar um pano na boca do pote para evitar que
algum peixe ou mesmo algum detrito maior fosse parar no fundo do pote.
Assim, sem poder pagar pela água, logo
cedo, centenas de pessoas, desses dois bairros, caminhavam em fila indiana em direção
à velha Cacimba, que tinha pouco mais de um metro de profundidade e setenta
centímetros de diâmetro. A água era cristalina e podia se ver a areia no seu
fundo.
A clientela, na sua maioria, era formada
por mulheres. Cada uma trazia uma lata, na cabeça, porém, era possível
encontrar algumas que carregavam um galão, ou seja, duas latas pendurada em uma
madeira que ficava sobre seu ombro.
O ritual de extração não era fácil. O
interessado tinha que se ajoelhar, depois jogar uma corda com uma vasilha amarrada
na ponta, deslizá-la cuidadosamente no fundo da
Cacimba, para depois puxa-la com muito
cuidado para não entornar. Essa operação era realizada varias vezes até que a
sua lata fosse integralmente cheia.
Depois, com o auxilio das amigas, a lata
era posta na cabeça tendo como suporte uma rodilha de pano. A mulher saia se
equilibrando entre as pedras, feliz da vida, em direção a sua residência,
geralmente com uma criança segurando na barra da sua saia. Em muitos casos essa
viagem era feita varias vezes por dia.
Próximo a Cacimba, numa distancia de
três metros, passa a tubulação de água que abastece a cidade. As crianças, o
autor, entre elas, ficavam correndo ou sentadas em cima dos canos, assistindo
as mulheres captarem o liquido, em meio a muita conversa, fofoca, tendo como
fundo sonoro a melodia que só as latas em contato com as outras podem fazer.
Tenho muito carinho por essa Cacimba.
Nas vezes em que estive em Pombal tentei fazer uma visita aos seus vestígios,
mas fui desaconselhado por meu irmão, Teté, que mora em Campina Grande, que
insistentemente informava que ela não existia mais.
Na Semana Santa de 2011, quando passava
por essa gloriosa cidade do sertão paraibano, decidi encontrar minha Cacimba
preferida. Parei o carro no Alto do Cruzeiro, em frente à velha cruz, perto da
casa do finado Chico Daniel, um dos mais antigos moradores do bairro e fundador
do grupo Negro dos Pontões.
Sai de casa em casa perguntando se
alguém conhecia o “olho d’água” como era chamada a Cacimba. Depois de percorrer
algumas ruas, sem sucesso, encontrei um senhor que me indicou uma casa onde
poderia ter essa informação.
Andei mais um pouco e cheguei à
residência de Valter Luis, um cabra inteligente e falante, descendente direto
da família Daniel, que, como eu, conheceu e tomou água dessa Cacimba. Os
vestígios da fonte ficam em frente a residência dele.
Fiquei muito alegre quando vi o tubo de
água que andei por sobre ele muitas vezes. Mais feliz ainda quando vi o local
exato da Cacimba, que ainda fornece um pouco de água suficiente para manter bem
regado os arbustos que, como soldados fieis, diferentemente do poder público
municipal, teimam em proteger os escombros da velha fonte.
Valter Luis me explicou que a derrubada
da vegetação no entorno da Cacimba, para a construção de casas, provocou seu
assoreamento, além do que, com a chegada da água potável em quase todas as
casas da cidade, a maravilhosa Cacimba perdeu parte da sua importância.
Sugiro que esse lugar seja preservado
para que as novas gerações saibam que, daquele chão duro, brotou muito água
boa, cristalina, suficiente para aplacar a sede de muita gente que morava nos
bairros do Cruzeiro e da Nova Vida.
*O
autor é professor universitário em Campo Grande/MS.
enviado por José Romero Araujo Cardoso
"A Velha Cacimba do Cruzeiro" (Coisas de Pombal)
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/04/2017 09:02:00 AM
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