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4 DE MARÇO DE 2018: 100 ANOS DA PASSAGEM DO PAI DO CORDEL, LEANDRO GOMES DE BARROS. VIVA LEANDRO!

Aderaldo Luciano - Acervo Clemildo Brunet

Por Aderaldo Luciano*

1. O CORDEL é poesia brasileira e como tal deveria ser estudado. Mas não é tão somente poesia brasileira.: é, também, a única forma poética fixa genuinamente brasileira, nascida em solo nacional, tendo a cidade do Recife como cenário e palco e Leandro Gomes de Barros como seu sistematizador. Em poesia, vale dizer, não existe precursor. A poesia é um fenômeno. Acontece. E a observação vale para o cordel. Os movimentos literários, esses percebem a presença do precursor. A obra literária, não. Ela já nasce como tal. O conto e a novela não podem ser precursores do romance. Assim como as quadrinhas não podem ser precursoras do soneto. Logo, não existe uma forma precursora para o cordel, consequentemente não existe um precursor ou vários precursores. A sextilha preexistiu ao cordel, é óbvio, entretanto um agrupamento de sextilhas não pressupõe a existência do cordel. Convencionou-se, entre poetas e pesquisadores, que o cordel deve apresentar um mínimo de 32 estrofes (sejam sextilhas ou setilhas). Essa convenção, todavia, não foi construída do nada, mas da observação sobre ser esse número de 32 estrofes o necessário para a confecção de um folheto de 8 páginas. Assim nasce a forma fixa do cordel, balizada por sua disposição no papel, no seu aspecto gráfico. Isso traz para o cordel duas marcas: a marca gráfica, escrita e editada, portanto pensada e elaborada no misto homem-máquina; e a marca poética, pensada e elaborada no misto homem-natureza. E precursores, portanto, são todos os poetas que o fizeram anteriormente em toda a literatura universal. Essa a filiação do cordel brasileiro.
2. As tentativas de estudar o CORDEL BRASILEIRO não levaram em conta o seu caráter poético e, quando tentaram considerá-lo, uniram-se ao contraditório por não classificá-lo como se deveria classificar qualquer peça poética, parte do todo literário universal. Isso se daria (e se deu quando destinei-me à observação sistematizada) com o estudo à luz dos gêneros literários, orientando os estudos pela conclusão, a partir da observação, segundo a qual o cordel brasileiro é uma forma poética fixa da poesia universal. A forma fixa do cordel se dá pela exigência do cumprimento de suas regras intrínsecas e definitivas. Essas regras fizeram-no distanciar-se do malogrado conceito de "literatura de cordel", ligado ao que se fazia e se fez em Portugal, aos pliegos sueltos e coplas de Espanha, à colportage francesa, aos chapbooks britânicos. O cordel brasileiro é forma genuinamente brasileira por ter, em primeiro lugar, criado a forma poética fixa (com um mínimo de estrofes, sejam sextilhas, septilhas ou décimas; nunca em quadras, nem em prosa; a utilização majoritária do verso setissilábico; a observação da rima, disposta seguindo os pioneiros) e, para além da forma fixa, ter criado também o sistema literário cordelístico, pautado pela indicação de Antonio Candido (aquela que diz, em seu Formação da Literatura Brasileira - Momentos Decisivos: o sistema literário é formado pela presença de um autor, de um editor, de um leitor. Acrescentei ousadamente, com imenso receio de ser mal-entendido, mas precisava correr o risco: o crítico). Alguns pesquisadores quiseram estudar o cordel e o fizeram, até sistematicamente, mas desconsideraram os tópicos que citei.
3. Por uma questão POLÍTICA e de revisão de termos, abandonei as designações "cultura popular" e "poetas populares" referentes, no primeiro caso, ao arcabouço colorido produzido pelo povo, presente nas suas manifestações artísticas, e, no segundo caso, à poesia escrevívida de poetas que não passaram pela iniciação acadêmica. O que levou-me a esse solilóquio foi a constatação bem observada de que esses setores, os "populares", são os menos agraciados nas ações públicas para a cultura e os menos apreciados pelos dublês de gestores culturais. Observei, e todos podem observar, que um "poeta popular" jamais ganhará um prêmio literário promovido pelo estado oficial tendo as elites culturais como senhoras dos critérios avaliativos. Observei também que os "poetas populares" são usados como adorno em suas festas e ao final são convidados a comer na cozinha e dormir no quartinho. Vi também que esses mesmos poetas quando chamados para se apresentar em escolas, festas públicas e solenidades percebem os menores cachês, quando não são chamados a apenas "divulgar o seu trabalho". O poeta popular e seus pares da cultura popular, a despeito do seu trabalho e labuta, são considerados tão somente como apêndices, desprovidos do rigor técnico e estético requerido pelos editais elitistas. Assim, aqueles dublês aos quais me referi acima, entregam um milhão aos seus pares e apenas um quinhão de migalha ao poeta e ao artista populares. Trago isso para o cordel porque os poetas dessa falange são considerados poetas populares. O povo os ama, é verdade, mas as elites os repugnam. O cheiro do povo, o suor do poeta do povo, do poeta de cordel, constrange a madame e o salão do palácio e o alpendre da casa-grande. Ouvi de um poeta do povo sua vontade: elevar o cordel ao erudito. É um absurdo estético. Não existe elevação nem depressão na poesia. A poesia existe ou não. E acima de tudo não necessita de adjetivos. A poesia é a poesia. Toda e qualquer adjetivação, assim como o próprio termo "popular", é criação das elites para promover a apartação.
4. Quando tinha 8 anos, comprei meus dois primeiros folhetos de cordel, na feira, das mãos de seu SEVERINO FOLHETEIRO: Vicente, O Rei Dos Ladrões e O Herói João de Calais. São duas narrativas clássicas do cordel brasileiro. Contam uma história a partir das proezas dos dois protagonistas. Todos nós gostamos de histórias. A humanidade é posta para dormir em sua primeira infância ao som de histórias saídas dos lábios de suas mães. Minha primeira infância cumpriu essa proposta. Minha mãe narrava as histórias de cordel, rimadas e, algumas, cantadas. Adormeci várias noites pensando nas maravilhas contadas nas histórias do cordel e imaginei que todo o produto cordelístico obrigatoriamente contaria uma história, seria uma narrativa. Esse encontro com o cordel, já contei isso várias vezes, oportunizou-me anos depois, aos 13 anos, o caminhar entre Borges, depois Poe, depois Twain, depois Kafka, depois Tchekov, ou seja, autores contadores de histórias. Um dia li, na biblioteca do padre, Jorge Amado. E assim seguiram-se os autores brasileiros até Inácio de Loyola Brandão. Esse ano, o ano treze de minha existência, foi o ano da tomada de consciência literária. E o cordel continuava abastecendo meus dias. Até deparar-me com um folheto cujo título chamou-me muito a atenção: Conselhos Paternais. Fui uma criança que cresceu sem pai e esse título encabulou-me. Quais conselhos um pai daria a um filho? Comprei-o e corri para casa para ler no pé de goiaba. Meu ponto de encontro com a literatura era o auto da goiabeira no quintal. Ao ler o cordel de José Bernardo descobri, imediatamente, que o cordel não contemplava apenas as narrativas, mas, também, a reflexão sobre o mundo, sobre os costumes, sobre as relações sociais. Mais tarde, mais maduro, descobri que o cordel contemplava todo o espectro dos gêneros literários. Ainda há poetas que pensam que o cordel é apenas narrativo, entretanto a observação mostra-nos o contrário. O cordel tem o veio épico, o veio lírico, o veio dramático. Vai além com a crônica e a biografia. Equipara-se, várias vezes ao ensaio. Vejamos quatro exemplos de cordéis que fogem à narrativa, enveredados pelo ensaio. São muito importantes estes títulos porque escritos por mulheres, o que muitos estudiosos e historiadores do cordel, como os que citei em artigos anteriores, não elencam. As mulheres são uma peça fundamental no processo histórico do cordel. E é necessário, urgente, contar essa história.
5. O CANGAÇO sempre esteve presente nas páginas cordelísticas. É um aquífero no qual sempre se encontra uma novidade, um detalhe, um episódio. Em todos os lugares do Brasil e em todos os tempos nos quais fenomenalizar-se um poeta de cordel, o tema cangaceiro se fará rugir. É uma marca, como um ferro de gado em brasa assinando seu emblema no couro susceptível da história. Já pude falar nas diferenças de catalogação do cordel. Criaram-se categorias inesgotáveis de tema, classificaram-na como tudo, menos como poesia. Quando iniciei a cruzada de se trocar o nome de "literatura de cordel" por "cordel brasileiro", quando anunciei a necessidade de se estudar o cordel à luz da teoria dos gêneros literários, fugindo às classificações em ciclos e temas, quando preguei a necessidade de os poetas partirem para uma produção mais cuidada (fugindo à espontaneidade), quando anunciei a chegada de um tempo no qual a agenda político-poética-pedagógica seria a demanda e a revolução, fui combatido pelos pensantes de momento, combatido mesmo a socos como alertava Maiakovsk, entretanto 10 anos depois de minha primeira fala nesse sentido, no Salão do Cordel de Guarulhos, em São Paulo, percebe-se uma certa pacificação. Os antagonistas de antes continuam antagonistas de hoje, mas criam novos rótulos apenas para alinhar-se ao que tentei estabelecer em uma teoria do cordel brasileiro. Alguns passaram a chamar "literatura de cordel brasileira", outros permaneceram com o antigo "literatura de cordel", mais ainda "poesia de cordel produzida no Brasil". O que ficou disso tudo, de todos os embates teóricos, entre poetas e pesquisadores, foi a consciência da necessidade urgente de se plantar definitivamente as diferenças que atestam a originalidade do cordel brasileiro. E o cangaço foi um dos grandes responsáveis por esse movimento. Na história recentíssima do cordel, os poetas continuam na busca da brasilidade navegando ao sol cangacionário.
6. A forma poética criada por Leandro Gomes de Barros, escreve um percurso histórico que se confunde com a República. No final do séc. XIX, Leandro cria o sistema que o definirá como pai do cordel. Todas as modalidades poéticas açambarcadas no cordel saíram do condão poético leandrino, inclusive as marcas gráficas que o definirão: o acróstico, a exortação, a invocação, a intercalação de estrofes, as três formas (epopeia, lírica e drama). A República vai se construindo e Leandro abandona as histórias de reis, donzelas e princesas, passa a criticar os costumes e lança o olhar crítico sobre nossa primeira revolução industrial, sem se afastar da política, defendendo o direito autoral, contaminado com a liberdade de expressão que se inaugura. Hoje, todos que escrevem cordel e se consideram poetas dessa senda, deveriam conhecer sua obra e reverenciar seus feitos, respeitando a tradição e dialogando com seus pares atuais.
*Aderaldo Luciano Professor, poeta, escritor e músico
Enviado pelo Professor José Romero Araújo Cardoso
4 DE MARÇO DE 2018: 100 ANOS DA PASSAGEM DO PAI DO CORDEL, LEANDRO GOMES DE BARROS. VIVA LEANDRO! 4 DE MARÇO DE 2018: 100 ANOS DA PASSAGEM DO PAI DO CORDEL, LEANDRO GOMES DE BARROS. VIVA LEANDRO! Reviewed by Clemildo Brunet on 3/05/2018 05:09:00 AM Rating: 5

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