O MURO QUE NOS SEPARA NAS RUAS DE POMBAL
Jerdivan Nóbrega de Araújo |
Jerdivan Nobrega de Araújo*
“Quando
um muro separa uma ponte une”
As palavras muro, fosso, ou barreira
quando acompanhadas do termo “social” nos remete muito mais a “separação de
desiguais” do que a “proteção a ameaças externas”, muito embora temos que
admitir que os muros sociais têm como finalidade proteger a classe dominante,
que é minoria, da classe dominada, que paradoxalmente é maioria.
Ao longo da sua construção sempre
existiram aqui em Pombal uns muros invisíveis que separam os cidadãos da classe
“a” (os da rua de cima) dos cidadãos da classe “e”, (os da rua de baixo).
A história, mesmo a contada por quem
oprime, dá exemplos de como esse muro é secular. No final do século XIX, quando
o bispo autorizou que os negros praticassem seus ritos na então Igreja do
Bonsucesso e atual Igreja do Rosário, a elite branca pombalense, inconformada,
edificou uma nova igreja, onde só era permitido a entrada de negros para fazer
a limpeza e manutenção. Esses muros
invisíveis sempre foram representados pelos sobrenomes das famílias
oligárquicas, que acreditavam nascidas para serem servidas, enquanto que povo
foi levado a acreditar que estava ali para servi-las, seja nas cozinhas,
lavouras, pecuárias e até mesmo nas urnas.
Os que estavam do lado e fora do
abstrato muro foram treinados a aplaudir os protagonistas do lado de dentro,
muito embora a nossa visão do que acontecia do lado interno do muro nunca fora
completo. Não nos era permitido observar
e conhecer mais do que interessava aos que estavam muito bem acomodados, e até muitas das vezes
fingindo suas brigas e desavenças, para o deleite dos que se posicionavam do
lado oposto do fosso.
No início do texto eu falei que a classe
dominante que é minoria domina, paradoxalmente, a classe inferior que é
maioria. Este fenômeno acontece por dois motivos: primeiro por que uns poucos
do lado de cá do fosso, mesmo sendo parte dos cidadãos excluídos, foram
escolhidos para distribuir a “ração”, e por esse trabalho eles recebem um
“bônus de cesso”, o que os colocam momentaneamente acima do seu Status Quo e, portanto, o faz se sentir
“incluído” e superior entre os seus pares inferiores. E, o mais grave, por
sermos “águias criadas em gaiolas e não sabermos da nossa capacidade de voar”.
Na
última comemoração do aniversário da cidade de Pombal esse muro abstrato se
concretizou através de placas de aço, que separou o povo da nossa cidade, entre
os que tinham o direito a participar do “evento público” e os que apenas foram
permitidos observar por cima da cerca de aço, lugar reservado aos desprotegidos
financeiramente, que se acotovelavam sob olhares repreensivos dos seguranças,
contratados para garantir a “ordem das coisas” em clara e humilhante segregação
de classe.
Não de tudo o povo calou em relação ao
fosso que nos separou. Li e ouvi de muitos pombalenses relatos revoltados pelo
fato do famigerado muro, “construído no Centro Histórico da cidade, ter privado
o cidadão de ir e vir” em suas tarefas cotidianas. Também dificultou “o
registro fotográficos dos principais Cartões Postais da cidade”, que foram
literalmente “murados” a exemplo da Igreja do Rosário, indiscutivelmente o
nosso mais importante monumento histórico, preste a ser reconhecido como
patrimônio nacional, que teve sua beleza obstruída, impedindo a sua integral
visualização.
O mesmo ocorreu com a Praça do
Centenário, onde também foram erguidos muros, segregando o povo em duas
categorias distintas: os “Vips”, que são os que supostamente têm condições
financeiras para circular livremente em espaço amplo e seguro e o “resto do
povo”, que são os mesmos pombalenses que em tempos recentes da nossa história, “...paisagem
desbotada da memória...”, foram chamados pelas “Garças”, apelido usado para representa na cidade as pessoas esquias, imponentes e de
“plumagem” branca, de
“Frasqueiras”, em referência a algo que depois de perder a sua utilidade é
descartado.
Para os do lado de dentro do muro a
velha e famigerada política do pão e circo é necessária para contenção dos
anseios mais urgentes do povo oprimido nas suas necessidades mais urgentes, mas
que prefere o aplaudir espetáculos midiáticos a uma benfeitoria que possa lhe
trazer a sustentabilidade social mais perene.
Sim, de fato isso é grave e depõe contra
o Ministério Público, que tem entre suas funções a de “guarda e a promoção da
democracia, da cidadania, da justiça da moralidade e também de cuidar dos
interesses da sociedade de uma maneira geral”. No caso do curral na nossa
cidade, tivemos ali a privação do direito de ir e vir do cidadão, e a ocupação
indevida de espaço público para comercialização privada.
Mas, o mais grave, ao meu ver, não foi a
privação de direitos fundamentas com o de ir
e vir, ou mesmo o “loteamento” para fins comerciais privados de locais
púbicos, ou até o desrespeito ao centenário patrimônio da cidade de Pombal: me
deixou intrigado e triste foi saber que ainda persiste na cidade de Pombal a
política coronelista, onde um manda e os demais simplesmente obedecem, ao estilo dos velhos coronéis de
tempos passados, numa clara demonstração que a cidade ficou parada no tempo desde que os Oliveira Ledo aportaram por aqui
com suas espadas e mosquetões para abater impiedosamente os nativos.
Mesmo já se passando 322 anos, as
práticas de ameaças, de autoritarismo e executar obras em pensar ou levar em
conta o bem comum, de tirar vantagens, à revelia do interesse e do bem-estar da
maioria, ainda é regra vigente por essas terras sem dono, onde os vereadores se
apresentam como representantes do povo quando dos abraços que antecedem as
eleições, porém, após eleitos têm um olhar mais para seus próprios umbigos,
talvez efeitos de acordos levados na escuridão e frieza das camarinhas.
O tempo corre e escorre, e os muros,
invisíveis ou em placas de aço, vão continuar apartando o nosso povo, que segue
feliz em direção ao abatedouro.
O pombalense sensato espera, sem muita esperança,
devo dizer, que o IPHAEP e o Ministério Público, nunca mais venham nos deixar
passar por tamanha humilhação de ver o nosso Centro Histórico sitiado, e os
direitos do povo tolhidos por ambiciosos administradores públicos.
*Escritor
pombalense e pesquisador
O MURO QUE NOS SEPARA NAS RUAS DE POMBAL
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/19/2018 02:56:00 PM
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