CENAS DE SANGUE NA INAUGURAÇÃO DA LUZ ELÉTRICA DE POMBAL
O ano era 1928. Noite
de 28 de outubro. Enfim, havia chegado o dia do prefeito Francisco de Sá
Cavalcante entregar à população de Pombal o tão propalado motor de luz
elétrica, que iria garantir, em curto prazo, a eliminação definitiva da
precária e limitada iluminação pública feita através de lampiões a querosene.
Para tanto, o prefeito Sá Cavalcante havia adquirido um moderno gerador de
energia elétrica, movido a óleo diesel, uma revolucionária tecnologia que
garantia aposentar os velhos motores a vapor. “O primeiro com esta tecnologia a
chegar na Paraíba. Das poucas cidades do Estado que dispõe de luz elétrica, em
todas, o motor gerador é movido a vapor”, dizia orgulhosamente o prefeito.
O possante e barulhento
gerador foi abrigado na casa das máquinas, denominada “Estação de Luz
Municipal”, imóvel onde hoje está instalada a Câmara Municipal de Pombal. Nas
principais vias das cidades, em locais estratégicos, foram implantados alguns
postes de madeira, para receber as instalações elétricas e as lâmpadas para a
iluminação pública. A grande inauguração da energia elétrica atraiu uma
verdadeira multidão às ruas da cidade de Pombal, só vista durante a Festa do
Rosário, o mais tradicional evento religioso da cidade, que havia ocorrido há
apenas doze dias atrás. Seria uma festa para entrar para história.
Dentre os que
integravam essa massa humana presente ao grande evento, encontravam-se dois
destacados cidadãos da sociedade pombalenses: os senhores Noé de Seixas Gadelha
e Lindolfo Vicente de Paula Leite Júnior que, no melhor estilo da aristocracia
algodoeira, trajavam ternos de linho e portavam vistosas bengalas. Naqueles
anos, nos eventos sociais, o homem na moda sempre segurava uma bengala ou um
guarda-chuva fechado como sinal de elegância, poder e autoridade masculina.
Noé, irmão de José de
Seixas Gadelha, o delegado da cidade, era um excelente flandeiro, denominação
que a época se dava ao profissional que trabalhava com flandres; funileiro. Era
ele mesmo quem comercializava os utensílios que fabricava; a exemplo de
canecos, baldes, latões, chaleiras, e principalmente lamparinas (ou candeeiro),
o mais popular dispositivo para iluminação artificial de uso doméstico, que
consistia em um pequeno recipiente em forma piramidal, abastecido por querosene
que umedecia um pavio feito de algodão, em cuja extremidade externa se colocava
fogo para gerar a iluminação do ambiente.
Lindolfinho era filho
de Capitão Lindolfo Leite, abastado fazendeiro, herdeiro único do seu tio Padre
Amâncio Leite, que lhe deixou de herança as fazendas Várzea Comprida dos Leite,
José Rodrigues e Pedra D’água, esta última deu origem ao município de
Condado/PB. Além do nome, Lindolfinho herdou do pai parte da Fazenda Pedra
D’água e o seu temperamento forte, autoritário e truculento. Um dos irmãos de
Lindolfinho,
Vicente de Paula Leite,
conhecido por Major Sinhô, foi o fundador, neste mesmo ano de 1928, do Itajay
Futebol Clube, primeiro time de futebol, cujo campo de futebol era em frente a
sua residência, onde hoje se localiza a Praça do Centenário. Capitão Lindolfo e
seu filho Major Sinhô exerceram o cargo de subprefeito de Pombal, sendo que o
ultimo chegou a assumir temporariamente o cargo de Prefeito.
Havia entre o flandeiro
Noé e o fazendeiro Lindolfinho um recíproco sentimento de repulsa, que eles não
faziam a mínima questão de esconder de ninguém. A verdadeira motivação do
surgimento da inimizade entre ambos se perdeu no tempo, ninguém lembrava o
porquê, no entanto, todos sabiam que no sertão essas questões, por menores que
pareçam, geralmente não terminam bem. Era um barril de pólvora prestes a
explodir a qualquer momento.
Hora da inauguração.
Noite escura. Após a ligação do motor gerador, luzes acesas, palmas e vivas,
discursos, mais palmas e vivas. A multidão caminhou em procissão em direção a
Igreja Matriz, na época apenas com uma torre, a fim de assistir a missa em ação
de graça, celebrada pelo padre Valeriano Pereira de Sousa, chamado
carinhosamente pelos fiéis de “Padrinho Vigário”.
Após a missa, na
pracinha da cidade, em frente a matriz, acontecia a retreta da Filarmônica
Municipal, sob a regência do maestro Francisco Ribeiro, que, anos mais tarde,
compôs em parceria com Newton Seixas o belo hino da cidade de Pombal. A
multidão se acotovelava em torno da banda, que, sob aplausos, apresentava
antigos e inéditos dobrados, compostos pelo maestro especialmente para a data
festiva.
Tudo corria muito bem
até o momento em que na tentativa de melhor visualizar a apresentação da banda,
os dois inimigos se esbarraram. Ao se reconhecem, olharam-se com cara de ódio e
desprezo, iniciando uma rápida troca de agressões verbais e logo em seguida
partindo às vias de fatos, através de troca de bengaladas.
A confusão gerou um
grande tumulto no local, chamando a atenção dos que se encontravam um pouco
mais distante, a exemplo de Jose Gadelha, delegado da cidade, que na intenção
de manter ordem, às pressas, dirigiu-se ao local do embate. Entretanto, quando
percebeu a aproximação do irmão do seu inimigo, Lindolfinho sacou da cintura
uma arma e desferiu um tiro contra o delegado, que caiu imobilizado sob o chão.
Ato contínuo, Noé sacou de sua arma e disparou quatro tiros certeiros contra o
agressor do seu irmão, pondo fim instantaneamente a vida de Lindolfinho, no
vigor dos seus 37 anos de idade. No meio do tumulto, Noé evadiu-se do local,
tomando rumo ignorado.
Assim,
com um saldo de um morto e um ferido, as festividades em comemoração à chegada
da luz elétrica em Pombal, ocorridas naquela noite de 18 de outubro de 1928,
foram ofuscadas por cenas de sangue que abalaram a sociedade da região,
deixando uma indelével cicatriz na história da cidade.
*Engenheiro Agrônomo e Escritor Pombalense
Capitão
Lindolfo, fazendeiro, ex-delegado e ex-subprefeito de Pombal, pai de
Limdolfinho e de Major Sinhô.
Foto:
Arquivo da família.
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Padre
Amâncio Leite, ex-pároco de Pombal e deputado provincial por três legislatura
deixou sua fortuna para o sobrinho Lindolfo Leite.
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Igreja
Matriz com apenas uma torre.
Foto:
Arquivo de Verneck Abrantes de Sousa
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CENAS DE SANGUE NA INAUGURAÇÃO DA LUZ ELÉTRICA DE POMBAL
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/15/2018 07:41:00 PM
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