VOTO DE CABRESTO
Severino Coelho Viana |
Por
Severino Coelho Viana*
A não ingerência de alguma
forma de pressão no direito de escolha é a mesma coisa que encontrar a
liberdade completa do ato de votar que é comparável ao sonho de felicidade em
toda a sua plenitude terrena. O chamado voto de cabresto ainda existe, apenas
passou de forma rudimentar e virulenta para um modelo moderno e sofisticado.
Todavia, na cabeça de muitos ‘líderes’ impostos, se pudessem, atuariam de
maneira cruel e atrocidades físicas.
Nós não podemos deixar de
sonhar. Seria perder a total esperança de melhores dias ou cair no abismo da
desilusão.
No inicio do período
republicano no Brasil (final do século XIX e
começo do XX), vigorou um sistema
conhecido popularmente como coronelismo. Este nome foi dado, pois a política
era controlada e comandada pelos coronéis (ricos fazendeiros). Na chamada
República Velha, o sistema eleitoral era frágil e fácil de ser manipulado. Os
coronéis compravam votos para seus candidatos ou trocavam votos por bens
matérias (pares de sapatos, óculos, alimentos etc.). Como o voto era aberto, os
coronéis mandavam seus capangas para os locais de votação, com o objetivo de
intimidar os eleitores e amarrar o voto. As regiões controladas politicamente
pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais. Os coronéis costumavam
alterar os votos, sumindo com urnas e até mesmo patrocinavam a prática do voto
fantasma. Este último consistia na falsificação de documentos para que pessoas
pudessem votar várias vezes ou até mesmo utilizar o nome de falecidos nas
votações.
O voto de cabresto era um
sistema tradicional de controle de poder político através do abuso de
autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. Era um mecanismo
muito recorrente nos rincões mais pobres do Brasil como característica do
coronelismo. Onde o seu reduto maior fincou a estaca no Nordeste brasileiro.
Nas regiões mais pobres do
Brasil a prática foi (e, de certo modo ainda continua) bastante recorrente a
sua utilização, como uma das principais características do que se costumavam
definir como coronelismo. Desde os tempos do Império, quando se realizaram as
primeiras eleições do Brasil como um país independente, a prática da fraude
eleitoral é uma praga de difícil combate. No período áureo do coronelismo, no início
do século XX, o eleitor só precisava levar um pedaço de papel com o nome do seu
candidato e depositar dentro da urna de pano. Não existia urna eletrônica.
Tratava-se de um papel qualquer, trazido de casa mesmo. Para os coronéis, bastava
entregar a cada um de seus empregados um papel já preenchido, e como a grande
maioria destes “eleitores” era analfabeta, estes apenas assinavam seus nomes
(lembrando que analfabetos não podiam votar).
I
sso não era de modo algum
problema para os coronéis, já que eles mesmos escreviam nos papéis o que bem
desejassem. Como os criados não sabiam ler, muitas vezes eles votavam e nem
sequer sabiam o que estava escrito no papel que depositavam na urna. Aliás, era
uma prática do coronel fornecer o transporte a estes pretensos eleitores, que
recebiam as “instruções” ao irem votar. As regiões do vasto interior do Brasil
estavam cheias desta figura, um grande fazendeiro que exercia poder total sob
uma comunidade de camponeses humildes, pela via moral ou pela força mesmo.
Assim, este utilizava de seu poder econômico para garantir a eleição dos
candidatos que apoiava. Quando o convencimento pela via econômica não surtia
efeito, o coronel recorria à violência para que os eleitores de seu “curral
eleitoral” obedecessem às suas ordens. Cabresto tem seu berço no latim
capistrum, "mordaça, freio, brida". Símbolo do retrocesso, da
violência e do privilégio de uns poucos em detrimento de toda uma população,
tomara que as últimas eleições tenham sido a hora de a onça beber água nas lonjuras
tupiniquins, onde a nação - infelizmente - ainda vive na idade das trevas...
No sistema político e
eleitoral brasileiro, nos dias atuais, é muito difícil ter o controle do voto
livre das pessoas. A Justiça Eleitoral é deficitária de mecanismo deste
controle, além de juízes que controlam o sistema fincado dentro de gabinete com
preocupação de expedir portarias proibitivas e não combater de frente a compra
de votos. Existem novos mecanismos de pressão que são usados. Por exemplo,
anotar as secções em que os eleitores de uma determinada família ou localidade
votam, para depois conferir se a votação do candidato correspondeu ao que se
esperava dos eleitores. Embora não seja possível se determinar "quem"
votou em "quem" por este método, ele é eficaz entre a população mais
pobre como instrumento de pressão psicológica. Dá dinheiro e reter o título e
documentos pessoais do eleitor, que não poderá comparecer pessoalmente à secção
eleitoral para o exercício do sufrágio. O poder aterrorizador do tráfico de
drogas que detém o controle comunitário e usa além da distribuição de dinheiro
em espécie e do poder de atrocidades daqueles que não seguem as ‘orientações
políticas’. Em contrapartida a este estado de anarquia, o uso de poder das
milícias, nas comunidades pobres, que obrigam os moradores locais a votar em
quem eles querem, ou não permitem o voto em candidatos que a milícia não
aceita; se a população não cumpre a milícia pode abusar do poder e causar
mortes ou parar de ‘ajudar’ os moradores.
Têm-se conhecimento de
várias denúncias de que alguns candidatos estariam distribuindo telefone
celular ou fazendo com que as pessoas, por meio do aparelho com internet,
entrassem na cabine eleitoral, fotografassem o voto e enviassem por e-mail, já
saindo da cabine eleitoral com o voto comprometido. Isto nós chamamos de
pressão cibernética conjugada à pressão psicológica mais à
monetária. E sabemos também que é proibido o uso de aparelho celular no ato de
votação. Mas, para os vivos demais isto é lei morta!
O Estado brasileiro é laico.
Não se misturam o poder secular com o poder transcendental. É necessária a
igualdade de tratamento entre todas as religiões, inclusive, quem não professa
nenhuma. A nossa realidade mostra uma política evangelizada.
Por muito tempo acreditou-se
que religião e política fossem coisas opostas. E assim, choveu de “irmãozinhos”
votando nulo e em branco, abstendo de seu dever como cidadão. Porém, de um
tempo para cá, a gama política percebeu o crescimento explosivo do povo
evangélico, achando assim um meio de alavancar sua candidatura. Infelizmente,
na época de eleições muitos púlpitos viram palanques e alguns cultos mais
parecem comícios eleitorais. Remetendo ao antigo(?), interrogação de propósito,
‘voto de cabresto’ muito presente na República Velha, em que coronéis
“compravam” o voto das classes menos favorecidas, compram-se hoje o chamado
‘voto de cajado’, onde pastores e líderes espirituais e/ou religiosos “impõem”
aos fiéis um certo candidato, ou como diriam os próprios: ‘candidatos oficiais
da igreja’.
Votar em um “irmão” da
igreja só porque ele vai financiar ($) a marcha para Jesus, ou pior, porque o
pastor o levou ao púlpito e até orou por ele e o ungiu, são motivos medíocres.
Um candidato, ainda que cristão, não está lá apenas para beneficiar a religião
A ou a igreja B, muitos menos para se beneficiar. Ele deve confrontar a
realidade atual e lutar contra um dos maiores males da atualidade: a
desigualdade social. E assim como Jesus Cristo ouviu o grito dos excluídos e
voltou-se aos marginalizados, sejam os políticos (cristãos ou não) a voz dos
injustiçados e a vez dos indefesos. A compra do voto ainda é muito praticada, e
é eficaz. As pessoas se sentem obrigadas, compromissadas com um candidato
depois de terem recebido algo como um simples favor, ou a inclusão de seu nome
em alguns dos programas assistenciais sustentados pelo governo, e que
distribuem poucas dezenas de reais a milhares e milhares de pessoas que seriam
atendidas com melhor proveito caso dispusessem de maiores oportunidades de
emprego, além de adequados serviços de formação profissional, saúde, segurança
e principalmente educação, que não deve e nem pode ser avaliada pelo número de
vagas disponibilizadas nas escolas iniciais e superiores, mas sim pela
qualidade do ensino que por elas é ministrado. O que, infelizmente, não
acontece.
O coronelismo foi uma das
instituições mais anacrônicas da política brasileira, felizmente hoje em
declínio, apesar de que dos 40 deputados federais mais jovens do Brasil, 32 são
filhos ou parentes de políticos veteranos. Portanto, a prevalência do
"Voto de cabresto", que é o sistema de controle do poder político por
meio do abuso da autoridade, da compra de votos ou da utilização da máquina
pública, o chamado coronelismo moderno, mecanismo ainda recorrente nos mais
pobres rincões do país.
Entretanto, o voto de
cabresto no Brasil contemporâneo não se limita ao uso do programa Bolsa
Família. Já em julho e agosto de 2008, apareciam denúncias da intimidação a
eleitores nas favelas do Rio de Janeiro para votarem a favor de candidatos
ligados ao narcotráfico e ao crime organizado.
No Brasil contemporâneo, um
país majoritariamente industrial e urbano, a intimidação dos eleitores por meio
da violência vem ocorrendo nas metrópoles: grupos paramilitares, formados por
ex-policiais e traficantes que atuam nas favelas e outros bairros cariocas,
estão obrigando a população, através de ameaças, a fotografar com celular o seu
voto para garantir a eleição de candidatos ligados ao crime organizado.
As pilastras da democracia
esperam o seu soerguimento! E isto acontecerá quando o povo pensar que
administrar a coisa pública deve ser honestamente dirigida e honestamente
fiscalizada, punindo o gestor ímprobo com o rigor da penalidade adequada a cada
caso e de acordo com a gravidade do delito. A impunidade não merece nenhum
louvor, venha de onde vier!
João Pessoa, 14 de fevereiro
de 2013.
*Escritor pombalense
autor de vários livros e Promotor de Justiça em João Pessoa – PB.
VOTO DE CABRESTO
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/14/2013 11:10:00 AM
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