A área do sertão do Nordeste e a Geografia da Fome: Permanência e transformações
Marcela e Romero |
José
Romero Araújo Cardoso*
Marcela
Ferreira Lopes*
Publicado com grande aceitação em 1946, o
livro Geografia da Fome de Josué de Castro propôs regionalização alicerçada nos
padrões nutricionais apresentados pelo País, até então eminentemente
agroexportador, cuja população concentrava-se majoritariamente na zona rural.
Analisando as condições alimentares
apresentadas pela gente que habitava a área do sertão do Nordeste, Josué de
Castro traçou linhas afirmativas sobre a região, frisando que a mesma teria
condições de figurar de forma proeminente e
Conforme Josué de Castro, as longas e
prolongadas estiagens tornam-se o diferencial no que tange à defasagem
alimentar em épocas específicas e cíclicas que determinam a tormenta para a
população sertaneja, independente de classes sociais.
A influência da falta d´água torna-se
imperativa no rebaixamento das condições de vida local, pois marcada pela
presença de rios intermitentes, sujeitos aos rigores climáticos, a área do
sertão nordestino é condicionada pela ação dos agentes físicos, refletindo na
elaboração próprio processo de produção do espaço.
Conforme o célebre cientista, o milho integra
ativamente a dieta do homem sertanejo, destacando que ao contrário de outras
áreas do planeta, na grande macrorregião que estruturou em sua proposta de
regionalização há pontos positivos destacados no que diz respeito à utilização
desse alimento pela população.
A inexpressiva presença de frutas ricas em
vitaminas na dieta do homem regional está ligada aos fatores edafoclimáticos
que notabilizam as condições naturais da região. Em manchas esparsas, a
presença de frutos nativos como o umbu faz a diferença.
Ao milho, incorporavam-se verdadeira plêiade
de outros alimentos, pois ao contrário da região açucareira, o sertão
nordestino configurou-se embasado na produção para a subsistência, tornando-se
bem mais democrática no quesito alimentação do que sua congênere litorânea, colonizado
sob a égide do império mercantilista do cobiçado produto obtido através da
empresa agrícola instalada, a qual definiu a ocupação territorial do quinhão
português no Novo Mundo.
O binômio gado-algodão integrava
indissociavelmente a paisagem sertaneja, quando da publicação da celebrada obra
de Josué de Castro, estando integrado a esse a tradicional pecuária de pequeno
porte.
A importância do rebanho caprino regional foi
observada pelo autor. Metade do criatório nacional concentrava-se na região
quando da publicação da Geografia da Fome no ano de 1946, com os Estados da
Bahia e de Pernambuco ocupando a vanguarda.Nos dias de hoje o rebanho de
pequeno porte, abrigado no semiárido, com ênfase à caprinocultura, excede o
percentual de noventa por cento. Os Estados que abrigavam majoritário
percentual na época da publicação da Geografia da Fome, ainda continuam os
mesmos.
Astúcia e impactação ambiental caracterizam a
ação desses ruminantes doméstico de pequeno porte. A devastação do
meio-ambiente ainda perfaz problema na
cadeia produtiva da caprinocultura, pois os
recursos tecnológicos utilizados ainda são incipientes.
A influência das culturas semita, negra e
indígena na diversidade da culinária sertaneja também teve ênfase na Geografia
da Fome, sendo indicada como fator positivo para a multiplicidade dos pratos
regionais.
As secas ainda representam graves fatores
desagregantes do quadro físico e humano da área do sertão nordestino. Períodos de
estiagens prolongadas, marcados pela força inclemente da natureza, ainda
assinalam tormentas indescritíveis. Não obstante esforço de órgãos mantidos
pelos governos, grande estiagem como a que marcou os anos de 1979-1983 deixou
cicatrizes profundas.
O sertão nordestino se despovoa com rapidez
impressionante. A cultura do algodão, até certo ponto tida como democrática,
implementadora efetiva da geração de emprego e renda, foi desestruturada graças
ao advento da praga do bicudo, desconhecida até o início da década de oitenta
do século passado.
O agrobusiness, com a fruticultura tropical
irrigada exigindo espaço consideráveis, antes destinados à agricultura de
subsistência, assinala novo processo de inserção regional na economia
globalizada.O vertiginoso processo de desertificação de boa parte do semiárido
vem ocasionando mudanças radicais na paisagem da região. O desmatamento sem
controle tem trazido consequências danosas para o bioma e para a população,
incidindo em declínio nutricional significativo.
Transformações significativas vêm sendo
levadas avante na párea do sertão nordestino, pois modo de vida tradicional vem
sendo substituídos pela força avassaladora dos novos tempos que imprime
consideráveis mudanças nas caraterísticas da geografia humana do lugar.
Quando do centenário de nascimento de Josué
de Castro, em setembro de 2008, o Jornal do Comércio, de Recife/PE, publicou uma
série de reportagens sobre a permanência da fome no nordeste, mostrando que
apesar das denúncias efetivadas na Geografia da Fome, ainda permanecem os
sinais da exclusão através das negras manchas da desnutrição crônica que se
espraiam sobre a região, gerando verdadeiro cataclisma na defasagem das
condições da qualidade de vida da população.
*José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
*Marcela Ferreira
Lopes. Geógrafa/ UFCG/CFP. Graduanda em Pedagogia/UFCG/CFP. Especialista em
Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária /UFCG/CCJS.
A área do sertão do Nordeste e a Geografia da Fome: Permanência e transformações
Reviewed by Clemildo Brunet
on
4/29/2015 03:44:00 AM
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